:: Chico Damaso ::
O Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (CROSP) recebeu 134 denúncias de suspeita de exercício ilegal da Odontologia na Capital e na Grande São Paulo e 63 no interior, de 2011 a 2013. Relatório recente da Prefeitura de São Paulo demonstra que faltam 33% de profissionais de saúde bucal na rede municipal. Se na maior metrópole brasileira, o descalabro é tamanho, podemos dimensionar que nas regiões mais carentes o caos esteja instaurado.
Temos cobrado ações contundentes das autoridades para que esses riscos à população não sejam negligenciados. Mas não basta que fiquemos simplesmente “apagando incêndios”, pois isso é reflexo de algo maior. A valorização da Odontologia é imprescindível, assim como das demais áreas da saúde, para que haja uma melhora realmente efetiva na assistência aos cidadãos.
O cirurgião-dentista deve ter condições dignas de trabalho para prestar serviço no Sistema Único de Saúde (SUS), como remuneração condizente e condições de trabalho adequadas.
Há mais de duas décadas, o SUS implantou a Estratégia de Saúde da Família e o Núcleo de Apoio ä Saúde da Família que trazem, como referência de prática em saúde, um modelo multidisciplinar que amplia o foco do cuidado, envolvendo diversos profissionais na equipe.
É incontestável a dificuldade de consolidação do Sistema Único de Saúde. Isto se deve ao subfinanciamento crônico, problemas na gestão dos parcos recursos públicos e insuficiência do controle público, que resultam em inúmeros obstáculos enfrentados diariamente tanto pelo usuário quanto pelos profissionais.
As últimas propostas do Governo Federal para o setor da saúde têm pautado diversas discussões na mídia e na sociedade civil. A polêmica segue, particularmente, em torno do Programa “Mais Médicos”, criado por meio da Medida Provisória 621/2013. Aspecto pouco valorizado neste debate tem sido o papel do conjunto dos profissionais de saúde brasileiros bem como o modelo de cuidado adotado no Sistema Único de Saúde.
Falha capital do programa “Mais Médicos” é o olhar vesgo para a saúde. O sistema não é formado somente por profissionais de medicina. Ao reforçar o conceito de que saúde é sinômino apenas de acesso à assistência médica, reforça-se o modelo de prática de saúde hegemônico no país, que não atribui valor às práticas de promoção de saúde e prevenção de doenças, reduzindo ao acesso ao médico os dilemas da saúde pública no país.
O bem estar de um indíviduo é resultado do cuidado do organismo como um todo, o que inclui, por exemplo a saúde bucal. Quando pensamos em políticas públicas, pouco se fala da falta de acesso ao atendimento odontológico, problema facilmente explicado pelas condições trabalhistas insatisfatórias oferecidas pelas três esferas de Governo aos cirurgiões-dentistas. Muitas vezes, diante dessa dificuldade, a população acaba buscando o autoatendimento ou até é enganada por pessoas leigas que oferecem serviços de saúde bucal.
É fundamental qualificar a saúde pública. Nossos representantes nos três poderes têm de abrir diálogo com as entidades odontológicas e demais áreas da saúde, para que, juntos, possamos desenhar um projeto funcional capaz de promover o exercício digno das profissões da saúde e estabelecer os necessários investimentos estruturais.
Não é com medidas paliativas que vamos mudar o Brasil.
Claudio Miyake, presidente do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo, e Marco Manfredini, secretário do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo