Se um indivíduo adoece, é imprescindível que seja
tratado; e sendo a infertilidade doença reconhecida pela Organização Mundial de
Saúde, a reprodução assistida deve estar disponível a todos os que precisarem

No Brasil, aliás, estima-se, de forma subestimada, que
mais de 278 mil casais tenham dificuldade para gerar uma criança em algum
momento de sua idade fértil. Temos apenas 8 serviços que realizam tratamentos
no Sistema Único de Saúde, atendendo a dois mil casos ao ano. O tempo de espera
é tão grande que, na prática, condena milhares de casais acometidos por
infertilidade a nunca terem filhos.
“A estimativa é que até 15% dos casais no país sejam
inférteis, mas esta porcentagem varia de acordo com o local e a população em
questão. No continente africano, essa porcentagem vai a 30% ou 35%. Na Europa,
cerca de 10%. Fator muito importante para avaliar esses dados são as doenças
sexualmente transmissíveis, que levam a infecções responsáveis por obstruir as
trompas e inviabilizar a gestação. Em populações socioeconômicas menos
favorecidas, sem acesso a abordagens adequadas para prevenção de doenças
sexualmente transmissíveis (DSTs), com maior suscetibilidade de abortamento
provocado por condições impróprias de saúde, a taxa de fertilidade é
expressivamente menor”, informa o dr. Newton Busso, membro da Sociedade
Paulista de Medicina Reprodutiva (SPMR) e presidente da Comissão Nacional
Especializada em Reprodução Humana da FEBRASGO.
Diante da dificuldade de acesso aos tratamentos
oferecidos pelo Sistema Único de Saúde, casais com problema de infertilidade
recorrem à rede suplementar e se deparam com a falta de cobertura por parte dos
planos e operadoras de saúde.
Neste contexto, torna-se evidente a ambivalência da
Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Ela é no mínimo omissa ao não
garantir a inclusão dos tratamentos para infertilidade no rol de procedimentos
dos planos de saúde, Afinal, a Constituição Federal determina como direito do
cidadão e dever do Estado garantir a saúde da população. E a infertilidade
conjugal é classificada como doença (N97 - Infertilidade feminina, e N98 –
Complicações associadas à fecundação artificial na Classificação Estatística
Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde da Organização
Pan-americana de Saúde e da Organização Mundial da Saúde).
Ao contrário, para decepção dos casais que necessitam
de tratamento para a infertilidade, a ANS, por meio de Resolução Normativa (RN
nº 211, de 11 de Janeiro de 2010), determinou que as técnicas de reprodução
assistida não sejam de cobertura obrigatória pelos convênios.
De fato, a Agência parece caminhar na contramão.
Chegamos a tal percepção se voltarmos um pouco no tempo, para o dia 12 de maio
de 2009, quando foi sancionada a lei 11.935, que altera o art. 36-C da Lei nº
9.656, de 3 de junho de 1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de
assistência à saúde. Assinada pelo então presidente da República, Luiz Inácio
Lula da Silva, a nova lei determina a cobertura do atendimento nos casos de
planejamento familiar pelas operadoras.
A homologação aconteceu poucos dias antes da publicação
da Resolução Normativa da ANS que exclui inseminação artificial - entendida
como “técnica de reprodução assistida que inclui a manipulação de oócitos e
esperma para alcançar a fertilização, por meio de injeções de esperma
intracitoplasmáticas, transferência intrafalopiana de gameta, doação de
oócitos, indução da ovulação, concepção póstuma, recuperação espermática ou
transferência intratubária do zigoto, entre outras técnicas” (trecho extraído
da Resolução Normativa da ANS, art. 16, §1º).
Ou seja, contrariando a sanção presidencial, a ANS, em
27 de maio de 2009, por meio da Resolução nº 192, alegou que “a inseminação
artificial e o fornecimento de medicamentos de uso domiciliar não são de
cobertura obrigatória”.
“Logicamente, as empresas de saúde privada acabam por
optar pela regra que mais lhes convém, negando o acesso a seus usuários,
restringindo a cobertura apenas aos métodos contraceptivos como o DIU, a
laqueadura e a vasectomia”, afirma o dr. Newton.
Poder
público
Muito antes das tentativas, mencionadas acima, de
regularizar o acesso da medicina reprodutiva no país, em 2005, foi aprovada a
Política Nacional de Atenção Integral em Reprodução Humana Assistida. Poucos
meses depois, a portaria que regulamentava o programa (Portaria SAS nº 388, de
6 de julho de 2005) foi suspensa.
Restam à população, portanto, as opções de reprodução
assistida ofertadas pelo SUS, infelizmente ainda muito restritas. No Estado de
São Paulo, por exemplo, há o Centro de Referência da Saúde da Mulher Hospital
Pérola Byington, que oferece tratamentos de fertilização a partir do núcleo de
Reprodução Humana. Há, também, o Hospital São Paulo, da Universidade Federal de
São Paulo (Unifesp); o Hospital das Clínicas de São Paulo, da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo (FMUSP); o Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto
(USP) e a Santa Casa de Misericórdia, entidade filantrópica. Todas as
instituições financiadas pelo governo estadual, e não pela esfera federal.
Corrida
contra o tempo
A procura por um tratamento para infertilidade em
instituições públicas é marcado por filas de espera que chegam a durar anos,
visto que os serviços não comportam a demanda. A situação seria preocupante por
si só, mas há de se considerar que a idade é um fator absolutamente
determinante, explica dr. Newton.
À medida que o tempo passa, a fertilidade da mulher é
reduzida. Este processo se intensifica a partir dos 35 anos de idade. Baseado
nisso, o Conselho Federal de Medicina estabeleceu algumas normas para fertilização:
a partir dos 40 anos da idade, podem ser introduzidos até quatro embriões;
entre 36 e 39 anos, três; e até 35 anos, o limite são dois embriões. “É uma
tentativa de compensar o déficit que aumenta progressivamente com o passar dos
anos.”
Caso a opção seja por clínicas particulares
especializadas em reprodução assistida, o grande obstáculo é o alto-custo dos
procedimentos.
Diante da falta de opção a grande parte dos casais,
que não têm tempo para aguardar a fila de espera pública, tampouco condições
financeiras para optar pelo tratamento particular, as sociedades médicas se
mobilizam para colocar em debate esse tema, sensibilizando a opinião pública
por meio da exposição do problema, que atinge milhares de casais brasileiros
com dificuldades para gerar um filho, segundo a Organização Mundial da Saúde
(OMS).
Exemplos bem sucedidos de universalização dos
tratamentos para a infertilidade não nos faltam, revela dr. Newton, apontando
para a postura de amparo assistencial de governos não apenas em países
desenvolvidos, mas também em vizinhos sul-americanos, como o Chile ou a
Argentina.
“Essa questão vai além da saúde reprodutiva e se
estende às esferas física, social e psicológica. É imprescindível que os planos
de saúde atendam, também, às repercussões decorrentes das complicações
associadas à fecundação, compreendendo que esta questão pode interferir de
forma importante no bem-estar físico e psicológico das pessoas.”
Associação Paulista de Medicina
imagem: arquivo Canal da Saúde